Toledo, 02 de maio de 2011
Mell é uma menina de nove anos e como toda criança nessa idade gosta de ouvir música, passear e se divertir. Estuda na quarta série do ensino fundamental na Escola Dr. Borges de Medeiros. Sempre alegre e sonhadora, queria ser bailarina quando crescesse. Desde pequena, aos dois anos de idade, já se expressava com clareza e desenvoltura, encantando a todos que a conheciam. Sua alegria de viver impressiona as pessoas à sua volta. Rodeada de amigos, atrai crianças de todas as faixas etárias através de sua simpatia contagiante. Sua história teria tudo para ser uma história em comum com tantas outras, se não fosse pelo grande desafio que a vida lhe impôs: uma patologia denominada atrofia muscular espinhal progressiva. Mas vamos começar do começo...
Mell nasceu de um relacionamento imaturo e inconsequente de pais muito novos. Sua mãe, ainda adolescente (na época com 16 anos), continuou na casa dos pais até que a filha completasse cinco meses. Neste momento, juntamente com seu companheiro, tomou a decisão de montar uma casa para os três; tentativa que, como era de se imaginar, não teve muito sucesso: durou menos de um ano. Entre as muitas razões para tal insucesso, se pode citar a falta de estrutura emocional e a pouca maturidade dos pais.
Mãe e filha voltaram a morar com a avó materna, Francisca, a qual, imediatamente, assumiu todos os cuidados com a neta, nessa época com um ano e dois meses. Seu pai foi gradativamente se afastando e a mãe, que logo começou a trabalhar, também acabou deixando que o vínculo maternal fosse se desfazendo. Na verdade, Mell nunca foi prioridade na vida de seus pais, embora sempre os tenha amado do jeito que eles são. Se apegou, então, fortemente com a avó, a quem carinhosamente chamava vozinha. Sua avó, naturalmente, abriu mão de sua vida profissional e acadêmica (cursava o primeiro ano do curso de História na Unioeste), passando a se dedicar exclusivamente aos cuidados da neta.
Exatamente em meio a essa ruptura da estrutura familiar começam a aparecer os primeiros sintomas dessa grave patologia. Mell que até então se desenvolvia normalmente, como toda criança nessa idade, aprendeu a sentar, engatinhar e, logo, a andar/correr. Sua avó, entretanto, percebeu que ela caía com frequência, embora, em seguida, se levantasse sozinha. Tal situação foi diversas vezes relatada ao pediatra, contudo, este insistia que era completamente normal. Mas as quedas aumentaram e Mell já apresentava dificuldades para se levantar sem apoio. Francisca resolveu procurar outro pediatra em busca de uma segunda opinião, o qual, mais atencioso, encaminhou o caso para um ortopedista. Este último solicitou exames de raios-X e constatou que não havia nada de errado com a estrutura óssea de Mell e que, então, orientou a avó a procurar um neuro-pediatra. Como não havia, à época, este tipo de especialista na cidade de Toledo, sua avó decidiu procurar ajuda em Goiânia, cidade na qual residia sua família.
Neste momento teve início a luta em prol de investigar qual era realmente a patologia que havia em Mell. Para conseguir recursos financeiros necessários aos exames foi realizada uma espécie de mutirão entre familiares e amigos: desde rifas até a confecção e venda de pães e bolos, etc. Muitos se solidarizaram com a causa e ajudaram de diversas maneiras. Apesar de não se ter conseguido realizar todos os exames, chegou-se ao primeiro diagnóstico: Mell era portadora de atrofia muscular espinhal.
Retornando a Toledo, tiveram conhecimento sobre um centro especializado em doenças neurológicas progressivas, a AACD de Porto Alegre. Ainda com esperanças, sua avó resolveu procurar novamente a opinião de um outro médico. Buscou apoio na prefeitura de Toledo para o transporte até o hospital no Rio Grande do Sul, a mesma se negou alegando que somente poderia ajudar se a consulta fosse dentro do estado do Paraná. Mais uma vez foi necessário recorrer à solidariedade de amigos e familiares na venda e distribuição de rifas. Chegando à AACD, após analisar todos os exames que já haviam sido realizados, o médico pediu o último exame que faltava para que realmente fosse confirmado aquele primeiro diagnóstico, o exame de DNA; o qual era, também, particular e veio a confirmar a patologia.
Atrofia muscular é uma doença progressiva muito rara: uma, a cada 10.000 crianças, chega a desenvolvê-la. Patologia rara e mais comumente encontrada em meninos. Afeta a musculatura do corpo, enfraquecendo-a. A atrofia muscular ainda não tem cura, embora se tenha muitas esperanças com as recentes pesquisas com células-tronco. Na busca por uma melhor qualidade de vida para os pacientes afetados, a orientação dos especialistas é a prática de fisioterapia, hidroterapia, equoterapia, etc, o que auxilia na manutenção dos movimentos motores, podendo ajudar a retardar o desenvolvimento da doença.
Há quase dois anos Mell já depende de uma cadeira de rodas e, aqui, novamente esbarramos na questão financeira. Para melhorar sua qualidade de vida ela precisa, entre outras coisas, de uma cadeira adequada ao seu tamanho e peso, pois a sua já se tornou pequena. Com suas limitações, ela não consegue brincar e gastar energia como outras crianças da sua idade e acaba, em função disso, tendo um tempo muito ocioso. Talvez, um computador equipado com internet pudesse ajudá-la a superar esses limites, trazendo até ela um mundo interativo que não está ao seu alcance. Sua realidade atual, contudo, é uma vida simples, em uma casa muito pequena, sem espaço suficiente para se locomover com sua cadeira, nem mesmo um banheiro adequado às suas necessidades especiais. Apesar de todas as dificuldades e carências, Mell é um exemplo de vida para qualquer um, pois possui, naturalmente, uma alegria de viver e de sonhar. Sonha, por exemplo, em fazer curso de teatro, de música, etc. Infelizmente, esbarra-se, muitas vezes, não apenas em barreiras materiais, físicas ou de transporte, mas, sobretudo, em diferentes níveis de preconceito: ela já foi rejeitada em escolas, bem como impedida de frequentar alguns cursos, entre outras coisas.
Esta é a história da menina Mell, exemplo de vida e força para todos nós. Esperamos, através desta história, sensibilizar mais pessoas no sentido de buscar a garantia de nossos direitos e deveres na sociedade, estimular o respeito ao próximo e a reflexão conjunta da comunidade para que possamos compreender a importância e necessidade da participação de todos para melhorar a qualidade de vida de seres tão especiais como a nossa pequena Mell.